Durante anos da minha vida, claro, tive meus momentos de ponto de referência:
"Fala com a Cris, a "gordinha" do marketing", "Lembra, da Cris, que era bailarina e ficou enorme?..."
Pois é..., e de tão bizarro, você até que acaba se acostumando e PIOR, aceitando sua condição de sinalização ambulante.
Eu mesma, me tirava sarro, um tanto de vezes: Oi, sou eu, a Criiiiiiiiiis, a gordiiiiiiiiiiiinha!!"
Até que a bendita da cirurgia começa a fazer efeito e a passos largos e rápidos, você perde a função GORDA MODE ON.
As pessoas começam a ficar perdidas, tanto quanto você, que sofre sem ser referência de nada. Porque você não vira a Cris que emagreceu, você vira a gorda que tirou o ESTÔMAGO!
Parece mais cruel ainda!!! Sonhava em ouvir: a Cris magrinha!!! Porque MAGRELA a gente ouve pacas!! Magrela é um nada, sem mérito nenhum, magrela é uma EX GORDA, e só.
Você não fez o menor sacrifício pra atingir seus 68 kg!
Você não suou, fez dieta, se matou na academia, passou privações, perdeu o humor, ficou louca de fome, quase surtou olhando a alface,
entupiu sua geladeira de frutas e legumes. NÃO!!!! Você simplesmente arrancou um pedaço, um grande pedaço do seu corpo e PLUFT, emagreceu!!!
E a magia de ser gorda foi embora, a referência foi embora, ficou o vazio, a insana certeza de que você comeu seu próprio estômago com muito cheddar, sem qualquer esforço!
Só quem passa pela cirurgia sabe o que estou falando, quantas são as transformações físicas, psicológicas, morais, sociais.
É que não sou de dramas, de ficar detalhando sofrimento, prefiro trilhões de vezes um bisturi a uma alface.
A referência passa a virar cobrança. "Cris, você emagreceu muito, pare com isso!!". "Menina, seu marido não gosta de carne, não?"
OOOOOOOOOOOOI????
Dá vontade de falar: "Ei, comi meu estômago, esqueceu??? Tá na mão de Deus agora!!!", mas me seguro, respiro fundo e desfilo a magreza na minha passarela imaginária.
Alguns esquecem que eu fui referência, outros nem conseguem imaginar: "Quê?? Você gorda? Nunca!!"
A sensação é de que sempre vai existir um buraco. Metafísico agora, mas um buraco, porque a moça parada ali a direita, agora é só uma moça, sem adjetivos.
